Pular para o conteúdo

Seis décadas em Goiânia – Por Luiz de Aquino

Para Emílio Vieira

Em 1963, justo no dia 31 de julho, deixei Caldas Novas, às 7 horas para, numa viagem de cinco horas, fixar-me em Goiânia; a cidade era, para mim, uma incógnita. Sete anos e meio antes, eu deixara Caldas Novas rumo ao Rio de Janeiro, onde me preparei para o Exame de Admissão e pude, pois, cursar o ginasial (segunda fase do Ensino Fundamental de hoje).

Estava, então, já matriculado no Liceu de Goiânia, oficialmente chamado de Colégio Estadual de Goiânia – mas esse nome só aparecia nos papéis oficiais. As aulas, obviamente, começariam no dia seguinte, o sempre referenciado primeiro de agosto. Entrei no histórico prédio – afinal, já existia desde 1937, ou seja, estava no 26° ano de funcionamento e Goiânia, naquele ano, festejava 30 anos de sua Pedra Fundamental. Descobri, naquele mesmo primeiro de agosto, que eu estava no segundo mais antigo colégio em funcionamento ininterrupto no Brasil, considerando-se que o CEG (sigla oficial) era a continuidade do Liceu de Goiás, criado em 1846 pelo então presidente da Província de Goiás, o Barão de Ramalho. Aquela informação encheu-me de orgulho, especialmente por eu supor que seria, sim, o único brasileiro a ter sido aluno dos dois mais antigos colégios do país – dentre os que jamais fecharam suas portas.

Aquele foi um dia de conhecer gente nova – moças lindas e (a maioria delas) muito falantes; rapazes mais discretos, mas, tal como as garotas, olhavam-me com uma curiosidade incômoda (para mim). Alguém antecipara a notícia de que chegaria um novo colega, vindo do Colégio Pedro II. Em pouco tempo, revelei-me uma decepção: eu não era sábio, não era carioca, era pobre, vestia-me mal aos sábados – um dia de exibicionismo em que o uniforme era dispensado.

Devo dizer que os adolescentes (dizíamos, então, meninas-moças e rapazinhos) goianienses eram, em maioria, altamente burgueses; eu vinha de um colégio em que não era raro de se ter o filho de um ministro ou de um banqueiro ao lado do filho de um comerciário do longínquo interior de Goiás – eu – ou do filho de um motorista de lotação – Paulo Fernando, o meu melhor amigo desde aqueles tempos.

Na turma, recordo-me de alguns nomes: Liane, Maria Zélia, Carlota, Beatriz, Lílian, Guaracy… E os marmanjos Mário Alberto, Emílio Vieira, Francisco Taveira, Ciro Palmerston, Samuel, Tinoir, Elci… Professores queridos – alguns excessivamente severos (ou severas), como Maria França e Ofélia Jaime de Pina. Dona Ofélia, identificando-me em sua primeira aula, conclamou a turma a “dar nossas boas vindas ao entrante”; e a partir daí, era com esse quase apelido que as meninas se referiam a mim, mas os rapazes foram mais receptivos.

Justamente naquele semestre, Ciro e Emílio anunciavam seus livros de poemas – ambos estreantes – para muito breve; Ciro fez sua festa em dezembro e Emílio, pouco tempo após, mas já em 1964. Os dois eram membros do Grupo de Escritores Novos (GEN). Resumo: daqueles (calculo eu) trinta estudantes, quatro se fizeram escritores: Emílio, Ciro, Elci e eu

Consegui emprego num escritório, o patrão era engenheiro e construía um prédio de apartamentos na Rua 15, quase esquina com a Alameda do Botafogo. Exigia tempo integral, por isso fiquei muito pouco tempo ali, não queria trocar de curso e apenas um colégio na cidade oferecia o Clássico, no turno matutino. Então, empreguei-me como cobrador da recém criada Pousada do Rio Quente; depois, arranjei-me noutro – vendedor externo na Livraria Cultura Goiana, de Paulo Araújo; andava muito, vendia pouco (melhor seria vender esporas de porta em porta, pois esta era (e é) a capital de um Estado essencialmente agrícola).

Mas havia concursos. Fui aprovado no Ipasgo e no Banco do Estado de Goiás; fiquei no BEG, pois teria jornada de seis horas, enquanto o outro tinha jornada de oito horas. E esse foi, sem detalhes, o percurso de um ano e meio, no comecinho de minha vida goianiense. E me tornei, de fato, um Cidadão Goianiense, com diploma da Câmara Municipal, datado de 16 de setembro de 2010, um ano após o título equivalente que conquistei, também sem o ter pleiteado, da Câmara de Vereadores de Pirenópolis.

O intervalo entre 31 de julho de 1963 e hoje inclui toda uma formação, a vivência valiosa como bancário, como professor (por poucos anos, pois os dedos em riste elegeram-me para a deduragem: abandonei o magistério antes que me complicassem com as forças); caí em “desvio de função” e me fiz jornalista. Aposentei-me como bancário em outubro de 1995; continuei a jornada de jornalista, de assessor de imprensa e, ainda, em funções similares no serviço público até 31 de dezembro de 2018. Desde então, este feliz goianiense restringe-se ao ofício de escriba, colhendo grandes alegrias.

*   *   *