A sociedade é um arranjo que pode ser comparado à construção de um edifício. Tijolo após tijolo vai sendo moldado um prédio, que termina quando a cobertura é posta sobre a última viga. A fase mais crítica é a estrutura, momento em se fincam as estacas e garante a segurança da obra. Depois, com o tempo, fazem-se as reformas necessárias para que a construção atravesse o tempo de forma íntegra.
A sociedade está naquela fase de travar as estacas. Encontrar os meios de garantir o que já foi construído e se estruturar para oferecer um futuro menos belicoso para as próximas gerações.
Do latim “societas”, ou seja, socius (sócio) + tas (sufixo – dade, funcionando como agente de qualidade). Na tradução literal, trata-se de uma “associação amistosa com os outros”. A construção desta obra, seu aperfeiçoamento e condução, é o maior desafio da raça humana em todos os tempos.
As primeiras sociedades surgiram através de aglomerações familiares e tribais, nas proximidades de terrenos férteis, banhados por rios, onde se desenvolveu a agricultura. Há milhares de anos, na Mesopotâmia, começaram a se desenvolver as primeiras cidades ou arranjos urbanos. Naquele tempo, também foram desenhados os primeiros ordenamentos e regras, que permitissem às pessoas viverem em espaços comuns, com o mínimo de civilidade. Isso criou uma nova percepção nos indivíduos: a de pertencer a um certo grupo, clã ou tribo, levando-os a desenvolver uma unidade de ação e pensamento, na busca do bem estar social que abrangesse a todos indiscriminadamente. Desde sempre houveram desavenças, o que é da própria natureza humana.
Hoje, quase a metade da população mundial vive em cidades. Aglomerados e sem uma identidade formal, os indivíduos estão muito próximos e ao mesmo tempo tão distantes. Às vezes mal conhecem o vizinho de porta, quiçá o morador da mesma rua. Por outro lado, apesar do distanciamento, esse mesmo individuo busca o engajamento com algum grupo, através do contato pessoal ou das mídias sociais. É a necessidade do pertencimento, da convivência, mesmo que remonta aos primórdios civilizatórios.
E como transformar esse processo em melhores condições de vida, afetiva e material?
Antigamente, essa busca estava calcada na necessidade de sobrevivência. Tanto do ponto de vista alimentar, como da proteção da vida frente ao desconhecido: intempéries naturais, predadores, grupos inimigos, levavam as pessoas a se juntarem em determinadas regiões, juntando forças para enfrentar o desafio. O homem primitivo se aglomerava em “comunidades” e ainda não em “sociedades”, com o propósito primário de manutenção e preservação da espécie. Esse ajuntamento de pessoas, normalmente era guiado por uma liderança incontestável, amparado na ética, na sabedoria e retidão do caráter do escolhido.
Com o tempo essas “comunidades” foram crescendo, transformando-se em “sociedades”.
Mais complexas, estruturadas, e com uma dinâmica diferente, surgiu no seio desse arranjo social a monetização dos valores: a produção, o conhecimento, as relações socias, tudo passou a ter um valor agregado. E com isso, aquelas primordiais qualidades para liderança foram substituídas pela dominação, seja através da força ou do poder econômico.
Já não bastava liderar. Era preciso controlar a produção, surgindo então a exploração e as diferenças sociais.
Esse poder, gerado através da criação e fomentação das riquezas que dominou as relações modernas, começou na era industrial e permanece até os nossos dias. As pessoas foram cooptadas por ideais, que muitas vezes escondiam os verdadeiros propósitos.
O homem é um ser biologicamente semelhante aos animais: são dotados de carne e osso, tem olhos, ouvidos, nariz, coração e demais órgãos como a maioria deles. Entretanto, ao ser provido de razão e consciência, era de se esperar um animal diferente. Ter um comportamento fraterno e amistoso, para tornar a vida das pessoas melhores.
No entanto, o que a história nos conta através dos tempos, é desalentador. O ser humano demonstrou ser uma criatura insaciável na sua fome de poder. Guerras por dominação territorial, escravidão para exploração do trabalho, discriminação pelo conceito de raça, cor e sexo. Intolerância por causa de escolhas religiosas. Isso fez da sociedade uma colcha de retalhos, permeada por interesses escusos, o que afetou sobremaneira o comportamento, tornado as pessoas mais ansiosas, desconfiadas e medrosas.
Muitas iniciativas foram feitas na tentativa de criar instrumentos para estabelecer uma ordem igualitária. As conquistas oriundas das classes minimamente organizadas, como o movimento das mulheres em busca do direito do voto, abolição da escravidão, a revolução industrial, a proteção aos direitos dos trabalhadores.
Outras iniciativas, oriundas das cúpulas, como a Declaração dos Direitos Universais, que surgiram após grandes eventos mundiais, como a segunda guerra, são esforços que podem ser enumerados.
Ocorre que, apesar da evolução tecnológica, dos conhecimentos científicos, o que vemos hoje em dia, é uma sociedade se voltando em grande parte para conceitos ultrapassados; individualidade, egocentrismo, concentração de riqueza, desprezo pelos mais fracos. Talvez pela pregação irresponsável e premeditada de lideranças contestáveis, a vida humana passou a ter um valor relativo. Morre-se de fome com tanta riqueza disponível. Mata-se por qualquer motivo, seja através de guerras urbanas ou de campanhas patrocinada por nações ou grupos terroristas. Desenvolve-se armas letais e artefatos de destruição. Os discursos difundem o ódio e a intolerância. No trabalho, na família, no convívio social.
Ser contrário é sinônimo de ser inimigo.
Percebe-se também um fenômeno interessante. Quanto mais a sociedade está conectada, mais as pessoas sentem-se solitárias. Não é difícil perceber, que como antigamente, o ser humano quer ser membro de um grupo, de uma tribo.
No Facebook, no Instagram e em outras mídias sociais, o indivíduo necessita ser aceito para sentir-se participante. Ao mesmo tempo ele fica isolado em seu mundo particular, sem conexão com a realidade. Isso causa depressão, angustia e desespero. Os feminicídios aumentam de forma exponencial. Os suicídios inflam as estatísticas, os menores abandonados e com lares desfeitos aumentam as expectativas de tragédias futuras.
Essa desconexão intersocial faz com que indivíduos e grupos mal intencionados manipulem a maioria de forma assustadora. A grande massa acredita naquilo que suas “lideranças” ou influenciadores atestam como verdadeiras. Não importa qual a origem e qualidade daquela informação. Elas são replicadas como uma infecção viral, independente das consequências.
Esse comportamento irresponsável e por consequência temerário, compromete o estrato social. A volatilidade das ideias e a falta de conteúdo afetam o comprometimento com causas verdadeiras. Qualquer informação de qualidade, que demanda um tempo maior para aprendizado ou entendimento é relegada de forma instantânea. Não se procura mais analisar o contexto. É preciso opinar, curtir e dar uma opinião. Seja ela qual for. Ficar calado é ser alienado. Participar é o mantra!
Se quisermos uma sociedade mais justa, igualitária e participativa, precisamos lutar para mudar esse status. Usar os instrumentos de mobilidade social, os meios de comunicação, para combater a falta de conteúdo e as mentiras. Procurar escolher lideranças comprometidas com o futuro. Investir na educação, na formação de leitores e no preparo intelectual das novas gerações. Demandar para que os jovens abandonem a futilidade, analisem seu comportamento e se comprometam com suas opiniões. A falta de propósito é mãe de todas as frustrações. Por isso, o clamor é para que o melhor dos sentimos aflore no ser humano: a esperança
Esperança por dias melhores, pela valorização da educação, da saúde e do bem estar social. O ser humano precisa progredir no caminho da prosperidade, no respeito às leis e aos costumes. Escolher lideranças melhores e exigir o cumprimento de um pacto social propositivo. Não arredar desses pilares, pois com certeza, serão eles que nos manterão de pé. Agarrados aos esteios da fé, da perseverança e do amor, possamos remover os obstáculos que impedem a nossa evolução, buscando dias melhores para cada ser humano neste Universo tão grande e ao mesmo tempo tão pequeno.