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Abricó-de-macaco – Por Rodriana Costa

No pátio da escola, as árvores frondosas dividiam espaço com os canteiros de plantas menores e rasteiras. Todas estavam como o inverno do centro-oeste pedia; sublimes e com suas folhas refletidas ao sol gélido, que se comprometia a entregar somente o necessário: sua luz.

Uma imitação de minuano assobiava e marcava presença no clima goiano tão característico que sugeria a oportunidade ímpar de usar botas e casacos, que em uma época não tão distante, cheirariam à naftalina. Entretanto, nos tempos atuais, essas não passam de reminiscências. Coisa de antigos!

As roupas não eram sempre as mesmas, de invernos passados, essas, previamente bem limpas, cheiravam a Comfort ou Downy, tudo orquestrado pelo consumismo e ditado pela moda.

No inverno as pessoas ficam elegantes! Ouviam-se comentários.

Fato é que naquele dia, a manhã estava acompanhada de árvores, plantas, vento e o sol iluminado. Nesse cenário, Vicentina, uma professora do ensino médio, pretendia sair de casa com seu carro popular, a enfrentar um trânsito frenético a caminho da escola. Diferente do que se pensavam das pessoas no inverno, ela ia confortavelmente com o mesmo casaco e cachecol de invernos passados. Eram funcionais, isso lhe bastava!

Antes de entrar no carro, na tentativa de conter o desânimo matinal, acendeu um cigarro e encostou-se na lataria com as pernas levemente cruzadas, cobertas com uma saia longa evasê que associada às meias-calças pretas e sapatos de salto pareciam vintage, mas eram próprios de sua época de adolescente, que se adequava, agora, perfeitamente às curvas de uma mulher de 50 anos.

Pensou no trânsito. Logo se lembrou de suas turmas eufóricas e se entristeceu. Com um semblante desalinhado, desejou o lugar de um professor de exatas, que na tentativa de evitar uma interação com os alunos, enche a lousa de exercícios de cálculos, de modo que até as perguntas que poderiam surgir seriam objetivas.

Vicentina amava sua profissão, não era esse propriamente o problema, mas era dada à introspecção, e em dias como esse, preferia estar consigo mesma e mais ninguém.

O tempo não permitiu que ela terminasse de fumar o cigarro por completo. Apagou-o e guardou-o no maço. Lavou as mãos com sabonete de erva doce. Tirou o cachecol, escovou os dentes, borrifou o perfume de lavanda e mascou um chiclete. Entrou no carro, aspirou, profundamente, um óleo essencial de alecrim e partiu.

Como em um passe de mágica, Vicentina já havia chegado ao trabalho. Observou a fachada da escola onde trabalhava por mais de vinte anos e desejou estar em casa lendo um romance de Dostoievski acompanhado com uma xícara de café fumegante e o vício, saborearia as sensações de prazeres: leitura, café e nicotina. Pensou no cansaço e desejou a aposentadoria.

Passou pelo pátio, antes cumprimentou a porteira como todos os dias. Dizia sempre um bom dia, Susi! Ela sempre respondia um bom dia, professora!

Mesmo se esforçando para ter algo de bom no dia, sentia que não havia ninguém dentro de si. Era um dia fatídico!

Adentrando a sala para mais um dia curricular, encontrou em sua mesa uma espécie de flor intrigante. Parecia carnívora, aveludada, carnuda de aparência asquerosa, tão singular à beleza delicada de outras flores.

A professora pegando a flor com certo receio, elevou-a ao nariz, aspirando-a sentiu um odor suave e adocicado. Então, quis saber quem colocara aquela criatura bizarra em sua mesa.

Um aluno, que ocupava a primeira cadeira da segunda fila, respondeu com desconfiança, que havia encontrado a flor no pátio, ao chão, próximo de um banco.

A professora ficou impressionada com a criatura floral que estava em sua frente. Analisou-a com muita perícia e quis saber qual planta produzia uma flor tão exótica. O aluno forneceu a ela algumas informações sobre a genitora floral que ficava, desde sempre, no centro do pátio da escola.

Aos poucos a aula de gramática foi acontecendo. Entre leitura e interpretação textual, Vicentina se sentia melhor e se esqueceu da moléstia que a possuía, antes de adentrar a sala de aula. Sua sorte era entrar na melhor turma que tinha, em um dia que iniciara ruim.

As energias eram boas e respeitosas naquela turma. Sentia-se contagiada com a delicadeza do aluno o qual a presenteou de maneira perspicaz com uma flor peculiar. A aula finalizara e a professora estava mais leve para entrar nas outras salas e enfrentar turmas que sugavam suas energias. Entretanto, devido a uma atividade de leitura e interpretação os ânimos foram equilibrados, não havia espaço para muita conversa e a professora pôde observar um pouco mais a flor, sentada em sua mesa, com interrupções parcas e esporádicas de um ou outro aluno com alguma dúvida sobre o texto.

Finalmente o recreio. Os alunos correram para o pátio a fim de conversar e comer algo, a professora também se apressou para o pátio em busca de se encontrar com a planta, que surpreendentemente era uma frondosa árvore, que tinha cachos de flores que se transformavam em criaturas estranhas em contato com o chão.

Como poderia uma árvore tão alta produzir flores tão exóticas e perfumadas?

Vicentina se sentou no banco, apreciando a sua sombra fria, recolheu algumas flores que estavam ao chão e absorta ficou olhando fixamente para a sua anatomia floral. Pensou na idade aproximada em que foi plantada e se envergonhou por sempre passar por ela e nunca ter a visto.

Qual seria seu nome? Olhou para a árvore. Pesquisou o nome na internet, mas não encontrou nenhuma árvore semelhante. Sentiu falta da avó raizeira e benzedeira, grande conhecedora de plantas e flores. Indubitavelmente, ela saberia.

Tentaria mais tarde, certamente haveria um aplicativo para identificar plantas, pensou.

Levou algumas amostras para a sala dos professores e alguns colegas a viram e a encheram de comentários depreciativos, outros, que passavam por ela há anos, se encantaram com tanta estranheza. Era uma Bruta Flor!

Vicentina, em um estado de epifania, compreendeu sua essência semelhante àquela flor. Muitos passavam por ela e não a viam. Professora era um vocativo conveniente para não precisar memorizar o nome de uma entre tantos. Bom dia, professora! Tudo bem, professora? O que a senhora precisa, professora? Seria assim! Quando necessário, a chamariam pelo nome impresso no crachá, mas a flor não tem esse acessório, logo continuaria sendo conhecida como Bruta Flor.

Até aquele momento, ninguém precisou saber o seu nome. De onde vem tanta Brutalidade?