– Como posso ajudar você?
– Desde sexta-feira passada tenho tido um mal-estar, como se fosse um resfriado forte, e…
– Teve febre?
– Não, apenas uma febrícula. Tenho tido muita moleza, eu dou aula e…..
– O nariz está escorrendo?
– Um pouco. Mas…
– Toma algum remédio diariamente?
– Não. Quer dizer, tomo Pondera de 25 miligramas por causa de uma crise de pânico. Eu tomo um dia sim, outro não.
– Tem alguma alergia a medicamentos?
– Não.
– Sente algo anormal na garganta?
– Na verdade, um pouco irritada ela está. Mas eu creio que….
– Alguma doença crônica?
– Não, doutora.
– Já fez alguma cirurgia?
– Também não. Ah, a minha respiração às vezes parece meio ofegante. Será possível verificar se…..
– Um dos estagiários vai verificar.
– Tá bom.
– E aí, como estão os pulmões dele?
– Tá limpo.
– O céu da minha boca tá cheia de aftas.
– Deve ser fígado. Isso é normal.
– É normal sentir isso?
– Aqui está o seu atestado e a medicação. Alguma pergunta?
– Sim, eu gostaria.
– Pois não.
– A senhora não acha que eu deveria fazer um hemograma para ver minhas plaquetas?
– Não tem necessidade, os seus sintomas são muito leves.
– Mas pode ser dengue, doutora. Eu sinto muita fraqueza.
– Dengue dá febre. Além do mais, você estaria com a sensação de que foi atropelado por um trator.
– Minha esposa teve dengue e não teve febre.
– Certamente ela não teve febre porque tomava algum medicamento.
– Como?
– Mais alguma pergunta?
– Não seria oportuno um teste de corona?
– Não é necessário. Além do mais, o seu plano não cobre mais este teste.
– Nossa, doutora! Francamente, o seu atendimento foi muito prático e seco.
– O que esperava?
– Não sei. Mas penso que a geração de pacientes que está envelhecendo, como a minha, esperava um atendimento mais, digamos, humanizado. Aliás, presume-se, que a nova geração de médicos superasse o atendimento mecânico da velha guarda.
– Aqui é uma emergência, não temos tempo para isso.
– A outra geração de médicos tinha?
– Mais alguma observação?
– Ainda tem tempo para isso?
– Você é muito irônico.
– E você parece a Arisa.
– Quem?
– Um robô de uma série russa, Better Than Us. Embora, ela fosse até afetuosa.
– Agora você está superando a ironia. Chegou finalmente ao cinismo. Eu preciso chamar a segurança?
– Não, não. Já estou indo embora.
– Estagiários, acompanhem o impaciente até a saída.
– Parabéns, doutora! Tá fazendo escola, hein? Adorei o acolhimento, sua atenção, sua forma de comunicar, o respeito e a maneira como você conduziu o atendimento. Com certeza, me ignorar como um dos sujeitos do processo terapêutico vai fazer toda a diferença. Já estou me sentindo bem melhor, acredita?
– Saia do meu consultório, agora! Vocês testemunharam isso? Esse cara é maluco? Em plena quinta feira! Pra quê fui sair de Lençóis?
– A senhora queria estar dormindo agora?
– Não, estagiário! Lençóis, na Chapada Diamantina. Entendeu, agora?
– Hemograma, pra quê? Só a minha palavra já basta, gentinha folgada!?