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Consulta Humanizada – Por Elson de Souza Ribeiro

– Como posso ajudar você?

– Desde sexta-feira passada tenho tido um mal-estar, como se fosse um resfriado forte, e…

– Teve febre?

– Não, apenas uma febrícula. Tenho tido muita moleza, eu dou aula e…..

– O nariz está escorrendo?

– Um pouco. Mas…

– Toma algum remédio diariamente?

– Não. Quer dizer, tomo Pondera de 25 miligramas por causa de uma crise de pânico. Eu tomo um dia sim, outro não.

– Tem alguma alergia a medicamentos?

– Não.

– Sente algo anormal na garganta?

– Na verdade, um pouco irritada ela está. Mas eu creio que….

– Alguma doença crônica?

– Não, doutora.

– Já fez alguma cirurgia?

– Também não. Ah, a minha respiração às vezes parece meio ofegante. Será possível verificar se…..

– Um dos estagiários vai verificar.

– Tá bom.

– E aí, como estão os pulmões dele?

– Tá limpo.

– O céu da minha boca tá cheia de aftas.

– Deve ser fígado. Isso é normal.

– É normal sentir isso?

– Aqui está o seu atestado e a medicação. Alguma pergunta?

– Sim, eu gostaria.

– Pois não.

– A senhora não acha que eu deveria fazer um hemograma para ver minhas plaquetas?

– Não tem necessidade, os seus sintomas são muito leves.

– Mas pode ser dengue, doutora. Eu sinto muita fraqueza.

– Dengue dá febre. Além do mais, você estaria com a sensação de que foi atropelado por um trator.

– Minha esposa teve dengue e não teve febre.

– Certamente ela não teve febre porque tomava algum medicamento.

– Como?

– Mais alguma pergunta?

– Não seria oportuno um teste de corona?

– Não é necessário. Além do mais, o seu plano não cobre mais este teste.

– Nossa, doutora! Francamente, o seu atendimento foi muito prático e seco.

– O que esperava?

– Não sei. Mas penso que a geração de pacientes que está envelhecendo, como a minha, esperava um atendimento mais, digamos, humanizado. Aliás, presume-se, que a nova geração de médicos superasse o atendimento mecânico da velha guarda.

– Aqui é uma emergência, não temos tempo para isso.

– A outra geração de médicos tinha?

– Mais alguma observação?

– Ainda tem tempo para isso?

– Você é muito irônico.

– E você parece a Arisa.

– Quem?

– Um robô de uma série russa, Better Than Us. Embora, ela fosse até afetuosa.

– Agora você está superando a ironia. Chegou finalmente ao cinismo. Eu preciso chamar a segurança?

– Não, não. Já estou indo embora.

– Estagiários, acompanhem o impaciente até a saída.

– Parabéns, doutora! Tá fazendo escola, hein? Adorei o acolhimento, sua atenção, sua forma de comunicar, o respeito e a maneira como você conduziu o atendimento. Com certeza, me ignorar como um dos sujeitos do processo terapêutico vai fazer toda a diferença. Já estou me sentindo bem melhor, acredita?

– Saia do meu consultório, agora! Vocês testemunharam isso? Esse cara é maluco? Em plena quinta feira! Pra quê fui sair de Lençóis?

– A senhora queria estar dormindo agora?

– Não, estagiário! Lençóis, na Chapada Diamantina. Entendeu, agora?

– Hemograma, pra quê? Só a minha palavra já basta, gentinha folgada!?